Nosso Século XXI (2ª Ed.)

Responsabilidade social,
um dever de todos nós

SERGIO BENEDITO MORETTI - 16/09/2008

Organizações em geral, pertencentes aos setores público e privado, de qualquer porte ou segmento, têm o dever urgente de assumir posições sensatas junto à sociedade em função das consequências diretas e indiretas provocadas por suas atividades-fim. O estabelecimento dessa nova relação já está em curso, tem abrangência mundial e é irreversível. Seu nome é responsabilidade social, uma ferramenta capaz de garantir a instituição do outro paradigma que se busca, um conceito inédito para o progresso.


Do ponto de vista prático, está longe de ser fácil a tarefa de consolidar os procedimentos que resultarão em projetos e ações que sejam socialmente responsáveis de fato. É trabalho que exige coragem e criatividade — qualidades sempre fundamentais quando se tem como meta a constituição da novidade em favor do equilíbrio entre o todo e as partes.


Uma questão que deve estar presente hoje no cotidiano de todos os agentes produtivos tomadores de decisões não é mais o equacionamento quantitativo e racional que conduz ao crescimento. O esforço agora é em prol do desenvolvimento sustentável, a forma de proporcionar sim a viabilidade econômica das corporações, mas, ao mesmo tempo, de embutir noções estáveis e robustas de comportamento ético, civilizatório e harmonioso. Ações isoladas de ajuda — muitas vezes entendidas pelas corporações como estratégias que redundarão em matéria-prima para planos de marketing social e, no limite, para a maximização de lucros — não passam de exploração, um aproveitamento torpe que felizmente já enfrenta a devida resistência.


Para ajudar a superar atitudes viciadas — para dizer o mínimo –, existem instrumentos que podem nortear as bases conceituais de leis e políticas capazes de instrumentalizar planos de ação. É o caso da Agenda 21, um dos resultados importantes obtidos na conferência Eco-92, ocorrida em 1992 no Rio de Janeiro. Por meio desse documento, formalizou-se uma convocação ampla, internacional, para que cada nação reflita a respeito de possibilidades de cooperação nos níveis global e local. Mais precisamente, cada país deve estimular efetivamente os meios de participação de todos os setores da sociedade, como governos, instituições de ensino e pesquisa, empresas (indústria e comércio), organizações não-governamentais, associações classistas civis, entre outros.


Ações isoladas que visam só
marketing social ou aumento do
lucro não passam de exploração torpe


No Brasil, no âmbito do governo federal, a coordenação das diferentes instâncias públicas comprometidas com a Agenda 21 tem sido realizada pela CPDS (Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 21 Nacional). A partir desse arranjo institucional — que inclui representantes da sociedade civil organizada –, órgãos atrelados aos aparatos matriciais da gestão federal, como os ministérios do Meio Ambiente, da Ciência e Tecnologia, do Planejamento e Orçamento e das Relações Exteriores, além das secretarias de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e de Coordenação da Câmara de Políticas Setoriais, atuam de modo a dotar a CPDS de subsídios específicos. Esses subsídios, agrupados e transformados em estratégias, instrumentos e recomendações, facilitam a tarefa de implementação da Agenda 21 Nacional.


Além da estrutura estatal, o terceiro setor, formado por organizações que não visam lucro e que não pertencem ao governo (as chamadas organizações não-governamentais, ou ONGs), aparece como agente de serviços de natureza pública justamente nos momentos, lugares e setores em que o Estado, por motivos variados, falha em seu papel de dirimir questões sociais de origem diversa. As ONGs permitem a participação responsável das corporações privadas na esfera pública, de interesse coletivo. Em outras palavras, e de modo esquemático, o segundo setor (a iniciativa privada, comprometida com questões individuais e materiais, com a busca incessante de obtenção de crescimento do modo mais racional possível) encontra no terceiro setor (as ONGs) a possibilidade de colaborar para o bem comum sempre que o primeiro setor (o Estado, em suas instâncias municipal, estadual e federal) se mostrar ineficiente.


Diante dessas premissas, vale a pergunta: esse rearranjo é a solução? Definitivamente não.


Em geral, as demandas corriqueiras e urgentes das corporações, afeitas ao universo da administração e dos negócios, tendem a consumir todo o tempo empresarial útil. Não é sem motivo que a mais evidente noção de divisão de períodos para os empresários ainda é a de ano contábil, ou exercício. Necessidades sociais passam a ser entendidas como extraordinárias, pertencentes a uma outra esfera que não teria nenhuma relação com os interesses empresariais. Dentro dessa dinâmica, na melhor das hipóteses, um empresário preocupado com o mundo e com as pessoas que o habitam pode se dar por satisfeito em função das atitudes filantrópicas que toma de maneira direta ou indireta. Na pior das hipóteses, o suposto empresário pode considerar que nada disso lhe diz respeito e que o dever de suprir carências é do Estado.


Cabe aqui a referência a um dos postulados que formam a base da ecologia: o equilíbrio serve também para que nós não nos lembremos dos problemas que o desequilíbrio causaria. Não importa mais se alguém ajuda pouco, muito ou se não ajuda nada. A questão é de qualidade. A idéia de rede surge, então, como uma abordagem avançada em relação às antigas formas de participação. A filantropia, a benemerência, a caridade e o assistencialismo sempre existiram e certamente continuarão a ter lugar de destaque nas relações humanas. Quando, por outro lado, por motivações mais complexas, é exigida uma metodologia que contemple abrangência e solução — não somente resultados paliativos –, deve-se falar em sustentabilidade, um fim que pede envolvimento amplo, estruturação jurídica, coordenação, métodos e planos. A rede social é esse salto qualitativo, assim como são também a cultura, a saúde e a educação os outros meios eficazes e afinados com os princípios definidos pela Agenda 21.


O compromisso mundial, aprovado por 191 nações reunidas na ONU (Organização das Nações Unidas) em NovaYork em 2000, é outro motivo que nos obriga a não esquecer que a sustentabilidade é a meta a ser perseguida até 2015, ano definido como prazo para cumprimento das 8 Metas do Milênio: erradicar a extrema pobreza e a fome, atingir o ensino básico universal, promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde das gestantes, combater a Aids, a malária e outras doenças, garantir a sustentabilidade ambiental e estabelecer parceria mundial para o desenvolvimento.


Outro importante instrumento que permitirá o ingresso massivo das corporações na luta pela constituição dos fundamentos que garantam processos produtivos sustentáveis está em curso no âmbito da International Organization for Standardization. Mais conhecida pela sigla ISO, que em grego significa igual, essa organização não-governamental sediada em Genebra, na Suíça, pretende que a publicação da ISO 26000, a ISO de responsabilidade social, ocorra em 2009. Ao contrário das demais, os sistemas de gestão de qualidade (ISO 9000) e de gestão ambiental (ISO 14000), a ISO 26000 não será uma norma para certificação. Trata-se de uma terceira geração que pretende servir como guia de diretrizes em responsabilidade social e ambiental dirigida a todas as organizações, inclusive do setor público.


Estão envolvidos no processo de construção da ISO de Responsabilidade Social representantes de diversos países, inclusive do Brasil, organizações da sociedade civil e grupos de interesse social. O Sesi (Serviço Social da Indústria), que participa de um grupo de trabalho formado por especialistas brasileiros na área de responsabilidade social, realizou pesquisa com empresas do setor industrial a fim de recolher sugestões para elaboração da norma ISO 26000. Um total de 172 empresas respondeu aos questionários enviados pelos Departamentos Regionais do Sesi abordando questões que deveriam permanecer na definição da norma, conceitos que mereceriam ser incluídos, os públicos que mais serão beneficiados com sua implementação e comentários sobre a importância e/ou o impacto da construção de norma internacional de responsabilidade social.


O Pacto Social é outra iniciativa da ONU que prevê envolvimento internacional para construção de meios que conduzam à prática da responsabilidade social corporativa. O objetivo final e comum também é a readequação da economia global, a sustentabilidade e a inclusão. Para tanto, a ONU sugere diretamente às lideranças empresariais o imediato alinhamento de políticas corporativas com os valores fundamentais para a humanidade. São 10 princípios distribuídos nas áreas dos direitos humanos, direito do trabalho, da proteção ambiental e da luta contra a corrupção. O Pacto Social deriva da Declaração Universal de Direitos Humanos, da Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho, da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e, por fim, da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.


Rede Andreense é referência no Sesi.
Ações de cidadania, saúde, oficinas e
eventos resultam de contribuição coletiva


A Rede Andreense de Ação Social foi constituída em 30 de março de 2004 por meio da portaria municipal número 17. Os signatários são o Sesi e a Prefeitura de Santo André, além de outros 70 parceiros e centenas de trabalhadores voluntários. O objetivo é promover a inclusão e a melhoria da qualidade de vida das populações carentes, sempre por meio da prestação de serviços gratuitos e do intercâmbio de propostas diversificadas e de alcance amplo.


A base da Rede Andreense é a iniciativa Ação Global, realizada anualmente pelo SESI nacional e Rede Globo desde o início da década de 1980. No Sesi Santo André, a Ação Global surgiu em 2003 e o projeto piloto ocorreu em 29 de maio de 2004 no Cesa (Centro Educacional Santo André) do Jardim Santo Alberto. A partir de três eixos temáticos — cidadania, saúde e oficinas e eventos –, foi possível demonstrar de modo cabal que muito mais poderia ser feito. Desde então, as edições se consolidaram em termos de periodicidade, de evolução qualitativa dos atendimentos e de adesão crescente do público.


Um dos motivos que explicam o sucesso da Rede Andreense é a manutenção do diálogo constante entre a equipe de organização e os potenciais beneficiados. O estabelecimento dessa dinâmica em três momentos — o que precede, o que ocorre durante e o que é realizado após o evento — tem permitido uma notável possibilidade de aperfeiçoamento, além de um exemplar exercício de cidadania. A experiência acumulada desde 2004 demonstra que todo o envolvimento necessário para realização da Rede Andreense (entre representantes das empresas, do Sesi, das ONGs, de voluntários e das comunidades alvo) modifica a realidade a partir de sua estrutura, não apenas física mas também a social. Os benefícios passam a ser cada vez mais percebidos não como dádivas oriundas da benevolência de agentes desconhecidos, mas sim como resultado de um trabalho comum, definido em instâncias organizacionais que exigem o comprometimento e a responsabilidade de todos. Prevalece, portanto, a noção de que nada é dado e que tudo o que ocorre resulta de contribuições coletivas. Daí a idéia de rede, de sustentabilidade, de responsabilidade social.


A participação de empresas da região e de voluntários é iniciativa louvável que demonstra que a sinergia entre colaboradores nunca foi uma utopia. No âmbito nacional, o exemplo da unidade andreense já é referência para outras administrações regionais do Sesi, para universidades e ONGs, uma demonstração prática do pretendido efeito multiplicador de rede.


No entanto, e paradoxalmente, esse envolvimento ainda está longe de poder ser considerado representativo, em termos absolutos, do universo formado pelas atividades industriais, comerciais e de serviços desenvolvidas nas sete cidades que formam o Grande ABC. A capacidade regional de propor e de realizar projetos integrados de responsabilidade social é proporcional ao significado econômico desses setores na história do desenvolvimento do País.


Entre outros benefícios, a Rede Andreense proporciona emissão de carteiras de identidade e de trabalho, corte de cabelo, vacinação de crianças e adultos, exames e palestras sobre prevenção de doenças, informações sobre como transferir o título de eleitor e como justificar o voto durante eleições, abertura de conta bancária, encaminhamento de pedidos de financiamento de material de construção e do Cartão do Cidadão, cadastramento de solicitações de emprego, informações sobre direito do consumidor, cível, penal e previdenciário, casamento comunitário, além de atividades esportivas, shows e programação de entretenimento para todas as idades.


Na outra ponta — a que diz respeito à estrutura social — ocorre o fortalecimento do processo que nos conduz à democracia de fato, a conscientização a respeito da necessidade de exigirmos sempre nossos direitos civis, a ocupação dos espaços existentes para instituição de medidas de proteção social e a criação de mecanismos de transformação social — tecnologia social, como quer a sociologia contemporânea — afinados com as principais questões contemporâneas: racionalização do uso de recursos naturais, desenvolvimento com baixíssimo impacto ambiental, aproveitamento absoluto dos recursos financeiros disponíveis etc.


No Grande ABC, por meio de iniciativas como a Rede Andreense, é possível solidificar a estrutura de uma política comum de responsabilidade social. Aparatos já constituídos, como o Consórcio Intermunicipal, instância que desde 1990 congrega todos os prefeitos do Grande ABC, o Fórum da Cidadania, a Agência de Desenvolvimento Econômico, o Subcomitê de Bacias Hidrográficas, a Câmara Regional e representantes da mídia que se dedica à cobertura e análise dos fatos regionais, deveriam ser, também, tribunas preciosas, e sempre suprapartidárias, no sentido de propor e operacionalizar ações que resultem em desenvolvimento sustentável.


A integração do Grande ABC, sempre tão lembrada e debatida, tem a oportunidade de existir agora, em razão de necessidades contemporâneas e universais, devendo sim ser concebida e praticada a partir de exemplos locais: alinhamento solidário em benefício da equidade, luta contra a pobreza, fomento da saúde humana, constituição de novos modos de consumo, respeito absoluto ao meio ambiente, garantia de existência da diversidade biológica, oportunidade ampla de educação e criação de mecanismos que aproximem empresas, trabalhadores, ONGs, mídia e gestores públicos em torno do debate sobre responsabilidade social. A rigor, nosso papel regional em favor do cumprimento das 8 Metas do Milênio e do Pacto Social é uma possibilidade exequível. Temos a Rede
Andreense e oito anos pela frente.


Leia mais matérias desta seção: Nosso Século XXI (2ª Ed.)

Total de 35 matérias | Página 1

16/09/2008 Primeiro escalão dita ética e responsabilidade social
16/09/2008 Wikimundo, um novo modelo de gestão regional
16/09/2008 Cidades são protagonistas da solidez regional
16/09/2008 Plantamos regionalidade, mas não sabemos colher
16/09/2008 Da comunicação que temos para a que queremos
16/09/2008 Praticar uma sólida agenda cultural ainda é utopia
16/09/2008 Não mais que uma província metida a besta
16/09/2008 Que as futuras gerações perdoem nosso voo cego
16/09/2008 Bandido não vê fronteiras, mas nossas cidades sim
16/09/2008 Participação popular é um marco revolucionário
16/09/2008 Somos uma colcha de retalhos (e descosturada)
16/09/2008 Regionalidade passa por democracia participativa
16/09/2008 Quando a atenção básica é (quase) tudo em saúde
16/09/2008 O futuro aos pequenos empreendimentos pertence
16/09/2008 Regionalizar serviços de saúde é a grande solução
16/09/2008 Quando a cooperação é estratégia competitiva
16/09/2008 Perdemos a vanguarda de consórcio público?
16/09/2008 Educação é central no desenvolvimento humano
16/09/2008 Xô apatia! Vamos fazer nossa revolução cidadã